quarta-feira, 29 de dezembro de 2010
vermelho sangue
Passava da meia-noite. A madrugada entranhava pelos seus poros como nunca havia sentido. Sentada na cama que ficava de frente para a janela do seu quarto , o vento a fazia imaginar coisas que ninguém entenderia. O segundo andar daquela espelunca nunca fora tão útil em termos de apreciação de paisagem. Passou um, passaram três, sete carros na rua. Decorou suas cores e gravou em pensamento o que passou em alta velocidade. Desejou ser como ele. Continuou mais dez minutos (cravados) sentada na cama gelada. A vodka que abrira já estava quase pela metade; e o copo, com um mínimo quebradinho na borda, vazio. Encheu-a até a boca desprezando qualquer tipo de educação psicológica...Ninguém a estava vendo mesmo. Virou como água, desceu como fogo. Levantou, chutou as pantufas mofadas pelo ambiente do apartamento e direcionou-se até o guarda-roupa. Vestiu um sobretudo preto por cima do pijama vermelho curto. Calçou uma bota também preta. Fez qualquer coisa na cara com um toco de lápis de olho e um resto de batom vermelho que restava na penteadeira infestada de cupins. Amarrou o cabelo pra cima e saiu, deixando para trás a poltrona, a garrafa e o copo. Desceu a escada que rangia, tentando em vão pisar de leve. Chegou, finalmente, à porta do prédio, com os vidros quebrados. Saiu andando devagar pela rua iluminada pelos postes. Não pronunciava palavra alguma desde que o relógio dera meia noite. Caminhava sentindo que havia feito péssima escolha da bota, que já apertava os pés. Ignorava a necessidade de ficar descalça. Ignorava o banho que não havia tomado. Ignorava-se. Andou por toda a rua que conhecia e, chegando à esquina, hesitou em continuar. Nunca havia parado. Nunca tinha medo. Mas essa madrugada a arrepiava tanto que teve o medo acumulado das noites que não teve. Um medo de não parar de sentir o que sentia, nem se amanhecesse. Depois parou e sentou, uns dois metros antes de chegar à esquina. Pela primeira vez, em anos, teve que parar pelo medo. Parou e teve medo. Parada teve medo. Abaixou a cabeça, sentada embaixo de um poste. Viu pingar gotas vermelhas de seu rosto. Por segundos apenas observou, depois foi procurar de onde vinham. Pingavam de seu lábio inferior. Lembrou-se do maldito copo quebrado. Colocou a mão na ferida, tentando estancar o sangue. Limpava com a gola do sobretudo. Fazia tudo sem falar. Nada. Ninguém. Só ela e as luzes da madrugada. Contou até dez, cinquenta, cem. No noventa e nove olhou para o lado da esquina. Esperava ver uma sombra qualquer, pelo menos para se sentir ameaçada ou acompanhada. Nem isso havia. Estava sozinha. Olhou para os pés doloridos, a boca sangrando e o nariz escorrendo. Ficou sentada a dois metros da esquina e a milhas da felicidade. Sozinha...
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